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quinta-feira, 27 de maio de 2010

OLIMPÍADAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

A Olimpíada e as políticas públicas para o ensino e aprendizagem de língua portuguesa


Autor: Egon de Oliveira Rangel
Egon é professor do Departamento de Linguística da PUC-SP, membro do Comitê Assessor da Secretaria de Educação Superior (Sesu).

Diante dos muitos e às vezes simultâneos projetos de que uma mesma escola participa, há ocasiões em que o professor se sente... simplesmente perdido. Mas, afinal, em que cada um desses programas efetivamente colabora para o melhor ensino e aprendizagem? Como se relacionam com as orientações das secretarias e do MEC para o ensino?
Para encontrar uma resposta satisfatória para perguntas como essas, é preciso reservar um pouco de tempo para conhecer os pressupostos teóricos e metodológicos de cada projeto. Pensando na Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, é esse trabalho que vamos desencadear aqui.
Como todos sabemos, esse é um projeto com características muito particulares:
- Organiza e promove, no âmbito de nossas redes públicas de ensino, um concurso nacional de produção de texto para os três níveis da Educação Básica.
- Tem como um de seus principais objetivos proporcionar para os professores e alunos inscritos um “mesmo chão”, em que todos possam plantar firmemente os pés. Partindo deste mesmo patamar – e recorrendo aos mesmos parâmetros e com as mesmas ferramentas – todos lutarão pela vitória em condições semelhantes.
- Caracteriza-se como um curso de “formação em serviço” para os docentes inscritos, inserindo-se no cotidiano da escola como parte da programação regular de língua portuguesa, e não como mais uma atividade extracurricular.
Já a orientação teórico-metodológica da Olimpíada para o trabalho com leitura e produção de textos organiza-se em torno de três eixos básicos:
1. A noção de gênero
Orientado pela reflexão de Mikhail Bakhtin a esse respeito, o projeto da Olimpíada parte do pressuposto de que as diversas esferas da atividade humana estão, necessária e indissoluvelmente, relacionadas ao uso da linguagem. Assim, cada esfera de nossas atividades – cotidiano-familiar, religiosa, escolar, profissional, política etc. – tende a desenvolver usos próprios, ou seja, gêneros discursivos: a conversa à mesa, a oração, a dissertação escolar, o relatório técnico, a propaganda eleitoral, e assim por diante.
2. A proposta da sequência didática (SD) como ferramenta básica para o ensino e aprendizagem de leitura e produção de textos
Inspirando-se em pesquisas e propostas de trabalho da Escola de Genebra e, em particular, na reflexão de Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, a Olimpíada se organiza com seqüências de atividades – de diferentes tipos e níveis de complexidade – sistematizadas como oficinas e, por isso mesmo, orientadas para um conjunto bastante coeso de objetivos, por exemplo: (re)conhecer o plano geral do texto de um artigo de opinião; identificar as situações de comunicação próprias das memórias literárias etc.
3. As teorias de Lev S. Vygotsky relativas à aprendizagem
As oficinas propostas pela Olimpíada supõem aprendizes que, no contexto das oficinas, podem constituir-se como sujeitos ativos de sua própria aprendizagem, e não como alunos passivos cuja tarefa se resuma à assimilação de conteúdos e fórmulas.
Longe de se sobrepor ou de se contrapor quer às orientações oficiais, quer, ainda, à reflexão e à atuação dos docentes, essa fundamentação teórica, assim como a metodologia correspondente, está em sintonia tanto com as demandas da sala de aula quanto com as orientações oficiais para o ensino da língua portuguesa. E não por acaso. É que, tanto quanto os Parâmetros Curriculares Nacionais, os princípios e critérios para a avaliação dos livros didáticos do PNLD, os parâmetros levados em conta para selecionar livros para o PNBE, e até mesmo os descritores com base nos quais se formulam as provas de sistemas de avaliação como o Saresp e o Saeb, a Olimpíada se insere num movimento histórico que costumo chamar de “virada pragmática” no ensino da língua materna (Rangel, 2002).
Exatamente como a expressão sugere, essa virada pode ser caracterizada como uma brusca e radical mudança na concepção tanto do que seja uma língua quanto de como se deve ensinar a língua materna. Apesar de bruscas e radicais, essas mudanças não se deram da noite para o dia. Foram fruto de transformações paulatinas ocorridas em pelo menos dois vastos campos do conhecimento científico diretamente relacionados à educação escolar e ao ensino de línguas.
As mudanças relativas à concepção de língua devem-se à inflexão das ciências da linguagem, desde os anos 1930, para os usos lingüísticos e para a dimensão social e histórica da língua. A concepção de que a língua é, essencialmente, um sistema de signos destinados a representar coisas e ideias passou a ser questionada pelas pesquisas e reflexões que revelavam aspectos antes negligenciados:
- o caráter interacional e comunicacional das línguas – que faz que toda atividade humana tenha o seu lado linguístico;
- seu poder de criar realidades, e não apenas de representá-las – que explica, entre outras coisas, porque o imaginário produzido pela mídia é mais real para o público do que os fatos efetivamente vividos no cotidiano.
Com base nessa investigação da linguagem como uso, e não apenas como sistema de signos, firmou-se a noção de discurso, que podemos entender, genericamente, como “a linguagem posta em ação – e necessariamente entre parceiros” (Benveniste, 1958, p. 284). E essa noção de discurso abriu a reflexão lingüística para o que há, na linguagem, de acontecimento, de (inter)ação e de compromisso social: toda produção linguística é, então, um fato situado no tempo, no espaço e na vida em sociedade. Assim, foi possível, entre outras coisas, entender melhor, nos processos de leitura e escrita, as formas pelas quais os sentidos são (re)construídos pelos parceiros do discurso a partir do texto.
Já as mudanças relativas ao como ensinar devem-se às conquistas propiciadas pelas teorias da aprendizagem, especialmente a partir das grandes sínteses produzidas na década de 1980. Desde então, dispomos de descrições, ou mesmo “modelos”, bastante plausíveis da aprendizagem, tanto no que diz respeito à forma como ela se processa na mente do indivíduo quanto no papel fundamental que o contexto, a cultura, as situações e os esquemas de interação em jogo têm para o sucesso do aprendiz.
Esta é a razão pela qual afirmei que
[...] a história recente da educação pode ser dividida, grosso modo, em dois grandes momentos. O primeiro deles, que chamaremos de tradicional, foi dominado pelas preocupações praticamente exclusivas com o ensino. As grandes questões, para os educadores, eram o que e como ensinar, considerando-se os saberes disponíveis e os objetivos socialmente perseguidos em cada nível de ensino.
No segundo momento, é a aprendizagem, ou melhor, o que já sabemos a respeito dela, que comanda o ensino. Atentos aos movimentos, estratégias e processos típicos do aprendiz numa determinada fase de sua trajetória e num certo contexto histórico e social, os educadores procuram organizar situações e estratégias de ensino o mais possível compatíveis e adequadas. Nesse sentido, o esforço empregado no planejamento do ensino e na seleção e emprego de estratégias didático-pedagógicas em sala de aula acaba tomando o processo da aprendizagem como princípio metodológico de base (Rangel, 2009; com adaptações).
Por todos esses motivos, os objetos de ensino e aprendizagem, no contexto da virada pragmática, têm sido concebidos como procedimentais. Devem-se ensinar usos, orais e escritos, da língua. Não por acaso, tanto os PCN do Ensino Fundamental quanto os princípios e critérios de avaliação de livros didáticos do PNLD definem como objetivo do ensino do português o desenvolvimento da proficiência oral e escrita do aluno e, em particular, sua inserção qualificada no mundo da escrita.
Se retomarmos agora o conjunto deste artigo, veremos facilmente que o projeto da Olimpíada se insere na mesma virada pragmática que dá origem às orientações oficiais para o ensino do português:
- ao eleger o gênero como unidade de trabalho, traz a língua em uso para a sala de aula;
- ao eleger Vygotsky como referência teórica para a sua concepção de ensino e aprendizagem, mostra-se em dia com as conquistas propiciadas pelas pesquisas em aprendizagem;
- ao se organizar em sequências de atividades inspiradas na noção de sequência didática, organiza a leitura, a oralidade e a reflexão sobre a língua e a linguagem em torno das demandas de produção textual geradas por um concurso de redação de escala nacional.Nesse sentido, a Olimpíada constitui, por si só, todo um contexto de uso da escrita.
Participar da Olimpíada não é, portanto, apenas participar de um jogo entre outros, por mais divertidas que as oficinas também possam ser. É, antes de tudo, envolver-se numa proposta de trabalho que pode se constituir, para o professor, como uma referência interessante para, até independentemente do concurso, articular e moldar as atividades de ensino e aprendizagem de língua portuguesa.
Referências
Benveniste, Émile. 1958. “Da subjetividade na linguagem”, in: Problemas de linguística geraI I. 2ª- ed. Campinas: Pontes/Editora da Unicamp, 1988.
Rangel , Egon de Oliveira. “Livro didático de língua portuguesa: o retorno do recalcado”, in: Dionisio, Angela Paiva e Bezerra, Maria Auxiliadora (orgs.). O livro didático de português: múltiplos olhares. 2ª- ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
Rangel , Egon de Oliveira. Para não esquecer: de que se lembrar, na hora de escolher um livro do Guia? Brasília: SEB/MEC, 2009. Mimeo.

sábado, 22 de maio de 2010

FILME: QUANTO VALE OU É POR QUILO?



FAC -FACULDADES CEARENSES Publicidade e Propaganda PP32 2008.2 Ciências Políticas Profº Leonardo Mara Régia Bizarria Pereira Entrega: 08/09/08 RESUMO DO FILME Quanto vale ou é por quilo? Um filme excelente que demonstra como eram os costumes e os métodos das classes dominantes no período colonial. Nesse filme pode-se observar que o Brasil precisa ser revisto em sua política, pois a mesma ilude o nosso povo com promessas inúteis ou com festas como o carnaval e o futebol que fazem com que as pessoas descentralizem seu foco do que realmente é importante. O nosso Brasil hoje tem muitas semelhanças com o Brasil do filme como por exemplo o empréstimo consignado em folha para aposentados e pensionistas parece aquela parte do filme onde se pode comprar a carta de alforria de uma pessoa. A sociedade democrática meio que aprisiona o povo numa democracia lúdica e não se dá conta do que está por trás de lindos discursos, exemplo disto é a solidariedade que antes era um gesto de humanidade hoje virou um produto de visibilidade. Outro ponto importante do filme é quando retratou a cruel realidade do período colonial onde os negros eram explorados e discriminados, onde se pode fazer uma conexão com o Brasil atual, o racismo ainda é muito grande contudo as pessoas caridosas hoje estão muito mais ativas, mas o Brasil não precisa dessa população caridosa e sim de políticas públicas eficientes. A sociedade precisa refletir sobre como pensa, age, e tudo mais que tenha a ver como social, pois, a responsabilidade de um Brasil descente e igual é de cada um de nós. O Brasil não precisa ser um país socialista para ser um país justo, ele precisa de educação de berço, se o indivíduo quer ser rico tem que suar a sua camisa e não suar a de muitos brasileiros que não tem estudo. As pessoas deveriam assistir esse filme não como mais uma produção brasileira, e sim com um olhar crítico sobre os fatos por ele abordados.


PROFESSORA MILTS DIZ: AS PESSOAS DEVERIAM ASSISTIR MAIS FILMES COMO ESSE, QUE AS LEVAM A ABRIR A MENTE E ASSISTIR E COMENTAR MENOS NOVELAS E BIG BROTHERS QUE SÓ SERVEM PARA ENFERRUJAR O CÉBEBRO E ALIENAR AINDA MAIS AS PESSOAS.

CRÔNICA DO AMOR ARNALDO JABOR



Crônica do amor
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?

Não pergunte pra mim você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

domingo, 16 de maio de 2010

SEJAM BEM-VINDOS!

Vinicius de Moraes - Soneto de Separação

domingo, 2 de maio de 2010

POEMA MARAVILHOSO DE VINICIUS DE MORAES: A MULHER QUE PASSA




Poesia



A mulher que passa

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida?
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

No santo nome do teu martírio
Do teu martírio que nunca cessa
Meu Deus, eu quero, quero depressa
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacifica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.






Rio de Janeiro, 1938

in Novos Poemas
in Antologia Poética
in Poesia completa e prosa: "A saudade do cotidiano"

PARTICIPEM DAS OLÍMPIADAS DE LÍNGUA PORTUGUESA








Um poema por dia: homenagem a João CabraL
07-Abr-2010
"Eu gostava, sobretudo, era de ler. Eu tenho impressão que eu escrevia porque eu lia. Mas o que eu gostava mesmo era de ler. Agora, para freqüentar um círculo literário, eu me justificava escrevendo. Mas minha paixão mesmo era a leitura".(JCMN)
Quando soube de uma mostra dedicada ao poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto, aventurei-me com quase cega avidez em saber melhor dela na virtualidade da Internet, estando certo e seguro de que ela acontecia num dos tantos espaços culturais da capital paulistana. Na tela um João Cabral um tanto quanto jovem e risonho. Atrás, como se ele tivesse acabado de escrever na parede de fundo, em letras vermelhas de faca e tinta sanguínea, a frase que dava título à mostra.Era um dos últimos rabiscos que o poeta havia feito antes da morrer, pensando em um possível título para um novo livro: Um poema por dia.

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.(...)
(in Tecendo A Manhã)

Fui lendo com a maior pressa os informes da página virtual. Com caneta em punho e naco de papel para anotar endereço, com corpo e espírito prontos para sair de casa, percebo dura e concretamente que a mostra não estava no meu pedaço, na cidade coração que abriga tanto e tudo. Estava no centro do Rio de Janeiro, pleno de História e sonhos. Ficara assim em descompasso entre a minha possibilidade e o meu desejo. Não tinha promessas ou planos de ir ao Rio. Respirei fundo. Olhei a paisagem da minha janela que verdejava alguma coisa. A tela me convidava num abraço carioca. Alguns rios do poeta, veios da poesia estavam a minha espera naquele momento rápido e único.Fui averiguando como os cliques e o olhar tudo o que o site me proporcionava na outra aventura de compensar a não ida à mostra tão instigante e tão interessante. (Quem sabe alguém do Rio nos conte da sua visita).

(...)“O tempo do poema não há mais;
há seu espaço, esta pedra
(in O Autógrafo)

Senti na pele frases de nossos companheiros de Comunidade quando, muitas vezes, não podem estar presentes ao vivo e a cores em acontecimentos aqui indicados.

Olhei os comentários. A maioria deles dialogava com o meu sentimento daquele instante. ”É uma pena que a terra natal de João Cabral não tenha a oportunidade de ver a exposição” . Eu arremato de forma otimista: Quem sabe se esta exposição não será adotada por várias cidades? Vamos aguardar.

Com a cabeça a todo o vapor fui me lembrando, até onde pude, dos meus primeiros contatos com a poesia de João Cabral, por ocasião de um curso de extensão universitária nos idos de 80.Arrebanhei na mesa alguns livros da época.Folheei um, bastante amarelado e gasto, com muitas anotações a lápis, como se retirado da minha mostra pessoal.

Fui relendo as velhas páginas. Um eterno surpresar...

E fui selecionado alguns fragmentos pensando no deleite de quem visita esta nossa praça da Comunidade Virtual.

“Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel ;
(in Catar Feijão)

Como quem investiga uma foto recém tirada da memória, conferi um primeiro trabalho. Nele, um poema em especial: Os Vazios do Homem. Lembro-me de ouvir comentários inspiradores por ter juntado à minha leitura o poema transcrito em um grande tecido que ficou pendurado na sala feito vela jangadeira.No lugar das palavras “vazio(s)” deixei buracos, cortes de facas no tecido. O poema mostrava concretos vazios, esponja cheia de vazios. Aquele móbile de palavras e buracos, os vazios da alma humana, ficara latejando no refletir sobre todas as coisas. E sobre as palavras. E sobre o arquitetar do poeta.

(...) “Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude (gora mas presença)
contêm nadas, contêm apenas vazios:”(...)
(in Os Vazios Do Homem)

Continuei o navegar. Imaginei cores, tons, vieses, marcas dos papéis das cartas e de toda a herança física interessantemente exposta aos admiradores da poesia e do poeta. Com desespero enternecido pus-me a vislumbrar alguns pertences de João Cabral que pudessem alimentar um pouco a não-visita à exposição. Parecia sentir os cheiros dos objetos expostos. Como isso atiça a nossa curiosidade! E os nossos desejos carentes!

Assisti a alguns vídeos sugeridos. Extrapolaram em deleite compensador e momentâneo. Vale para muitas coisas de nosso viver pessoal e pedagógico. É só clicar e ver. Depois conte para nós. Você se emocionará, por certo, enredado em tão belos depoimentos!

(...) “E as vinte palavras recolhidas
nas águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.”
(in A Lição De Poesia)

Sabemos que a obra poética de João Cabral caracteriza-se por um rigor estético.É uma poesia que nos causa estranhamentos porque é essencialmente cerebral.O poeta não recorre ao phatos (paixão) para criar a atmosfera poética, mas a uma construção elaborada e pensada da linguagem e do dizer da sua poesia. Podemos até fazer algum levantamento de palavras usadas na sua poesia: cana, pedra, osso, esqueleto, dente, gume, navalha, faca, foice, lâmina, cortar, esfolado, relógio, seco, mineral, deserto, vazio, fome.

Ler João Cabral é difícil? Talvez seja, talvez não. Descobrir a sua poesia é um jogo interessante a se fazer. Dar-se a conhecer o fazer do poeta visitando alguns de seus poemas e entrando pela porta do como será que ele escreveu, como escolheu as suas palavras e as organizou no branco da pedra do papel é um caminho. É como se a lucidez se entregasse ao fazer poético certo do seu fio e corte.É uma proposta lúdico-pedagógica, a da reflexão sobre a linguagem que abre no seu fazer um leque reflexivo e criador ao mesmo tempo.Oficio e arte na mesma pedra e palavra.

Montar e desconstruir as leituras que vão se realizando entre si, esse jogo - o dizer e o fazer - não é útil para os nossos trabalhos de ensinar?A leitura antiga dilui-se na outra e a reinventa. Fluida e mote.Força e motriz.E assim a poesia se abre de intensas visibilidades. Fico pensando que esse aspecto lógico e matemático da poesia mineral de João Cabral pode chegar às mãos dos alunos num jogo curioso e interessante de sentir e pensar as palavras como algo instigador e lúdico. “uma lucidez que tudo via porém luz de uma tal lucidez que mente que tudo podeis.”

“Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;”(...)
(in A Educação Pela Pedra)

De um sentimento leitor de agora, trazido em tempo do relógio vivido e relembrado, percebo alguns lances dessa eterna brincadeira: o ofício de escrever. Vislumbro sutilezas, galhofas ou ironias e sarcasmos feitos de poeticidade objetiva e extrema que tocam de leve o simples do cotidiano humano, nosso lugar comum.

Um poeta crítico ou um poeta com poeticidade crítica? Jogos e sentidos. E por isso talvez que nos engendra e nos intimida esse fazer poético tão lógico e tão profundo.

(...)Ӄ mineral , por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita.”
(in Psicologia Da Composição)

Fui me deliciando com tudo o que vi no meu passeio virtual. E para quem puder, vale a indicação. Aí vai a ficha técnica da mostra multimídia: Um poema por dia. Está no Centro Cultural da Justiça Eleitoral, no Rio de Janeiro. Com a curadoria de Inez Cabral, filha do poeta homenageado, o evento apresenta fotos, projeções, vídeos e entrevistas com o escritor e também exibe cartas, poemas e manuscritos – em parte inéditos – do acervo da família. A obra Morte e vida Severina, por exemplo, é mostrada em textos, fotos e fonograma da música original composta por Chico Buarque para a primeira montagem da peça, em 1965. A mostra está concebida e organizada em quatro espaços:

Vida e infância: fotos, poemas e depoimentos do poeta sobre sua vida, sua infância. Uma “autobiografia” selecionada por sua filha. Amigos e Vida profissional: fotos, depoimentos em vídeo e cartas de amigos e colegas. Paixões: textos, poemas, trechos de filmes; fotos e música da montagem para Morte e vida Severina (65); o time do América (do Rio e de Recife); a mulher; Sevilha e o Recife. Museu de Tudo - parte “física” do acervo, os manuscritos, as primeiras edições, os textos inéditos. O Centro Cultural da Justiça Eleitoral fica na Rua Primeiro de Março, 42, Centro, Rio de Janeiro. Mais informações: 21-2253-7566.

(...)Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.(...)
(in O Cão Sem Plumas)

E assim foi. Fiz a visita virtualmente. Quem sabe a farei de bom grado e de coração presente no Rio? Confesso que senti falta do imaginado toque perto do olhar. E dos cheiros fantasiosos emanados dos objetos, cenário de singela vida poética deste Severino poeta. Mas, por hora, pude adentrar-me por outras memórias, rios e versos, lembranças e pedras deste singular poeta que nos enobrece de raiz e céu.

E por nisso falar: há alguma mostra em seu lugar que a gente possa conhecer virtualmente?

Antonio Gil Neto

Mais sobre João Cabral de Melo Neto?

Acesse: www.literal.com.br/tag/joao-cabral e veja: