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domingo, 25 de julho de 2010

OLIMPIADAS DE LÍNGUA PORTUGUESA





Profª. Drª. Simone de Jesus Padilha
Universidade Federal de Mato Grosso

A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro está perfeitamente adequada ao que tem sido sugerido desde a década de 90, por meio dos documentos oficiais, para o ensino da língua materna em nosso país: um trabalho voltado para o eixo dos usos da linguagem, que toma o texto como unidade e os gêneros como objetos de ensino. Isso constitui aquilo que o professor Egon Rangel chama de uma virada pragmática. Para outros teóricos trata-se de uma nova abordagem ou uma mudança paradigmática. É interessante pensar que o professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Luli Radfaher diria, brincando, que paradigma, na verdade, constitui uma “paradinha”. E qual é a paradinha da vez, no ensino de Língua Portuguesa? E por que se faz necessária?

Desde os anos 80, mais precisamente a partir de 1984, com a publicação do clássico O texto na sala de aula, do professor João Wanderlei Geraldi, linguista renomado da UNICAMP, é que as questões que norteiam o ensino de língua portuguesa tem se destacado. E isso ocorre não apenas na academia, mas nos cursos de formação de professores de todo o país. E Geraldi se perguntava (creio que ainda se questiona), como é que passamos onze anos na escola, no mínimo, estudando a língua portuguesa praticamente todos os dias, e saímos sem conhecê-la. Ou melhor, como é que a estudamos na escola por tanto tempo e não somos capazes de sair dela como leitores críticos e produtores efetivos de textos?

Numa entrevista à revista Na Ponta do Lápis, o professor da Universidade de Genebra, Joaquim Dolz diz uma frase que parece responder, um pouco, a isso: de que adianta conhecer o código, se não entende o texto? E eu complemento: se não é capaz de redigir um texto de sua AUTORIA. E compreende-se, aqui, autoria em letras maiúsculas, como o exercício de tornar-se autor, de ter sua própria voz, de ser produtor independente. Ou seja, podemos dizer que nosso ensino esteve e ainda está muito focado na aquisição do código e na aquisição da nomenclatura sobre ele, isto é, no ensino da metalinguagem.

Dos anos 80 para cá, quando esta discussão se tornou mais premente – e ainda é urgente, pois a situação não mudou – nossos alunos continuam fracassando em Língua Portuguesa na escola, haja vista o resultado das avaliações oficiais nacionais e internacionais, com todas as ressalvas que possamos fazer a elas: o brasileiro não é capaz de ler um texto, de interpretá-lo além da estratégia básica de localização de informações e produção de inferências simples.

Neste contexto, e tendo em vista outros processos de mudanças das políticas públicas voltadas à educação, como a própria LDB e a reestruturação de nossos sistemas de ensino, é que surgiram propostas mais efetivas de mudanças nas práticas de ensino-aprendizagem da língua materna na escola. Os PCN, e destaco aqui principalmente o documento de terceiro e quarto ciclos, são claros em propor um ensino pautado numa nova concepção de linguagem (vista como interação, numa nova abordagem). Trata-se do ensino dos gêneros como conteúdos – como objetos de estudo das aulas – trazendo à baila o pensamento de Mikhail Bakhtin numa perspectiva sócio-histórica de aprendizagem, que leva em conta, sobretudo, o pensamento de Vygotsky, ao salientar a importância de se observar as necessidades e possibilidades de aprendizagem do aluno.

É com igual coerência que o programa Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro vai estruturar-se teórica e metodologicamente, considerando os usos da linguagem em diferentes esferas da atividade humana e que se configuram em usos recorrentes e próprios, se estabilizando naquilo que vai se denominar gênero de texto, ou gênero textual. Para os mais puristas estudiosos de Bakhtin, em gêneros do discurso. Ou seja, da conversa íntima, familiar e do bate-papo de bar até a notícia do jornal, o romance, o poema, a ata, a procuração, a dissertação de mestrado, enfim, convivemos com diferentes práticas sociais que se dão em diferentes práticas de linguagem e que se nos apresentam em diferentes gêneros. A noção de gênero estrutura o material da Olimpíada, pois cada caderno tem como foco o ensino de um gênero específico e, a cada edição do programa, novos gêneros são inseridos no processo.

A noção de gênero tem a qualidade, como já teorizou o professor Schneuwly, também da Universidade de Genebra, de ser um mega-instrumento. A partir do gênero podemos aprender diversos modos de usar a linguagem e ter diversas capacidades de linguagem. Assim, como diz a professora Roxane Rojo, da Unicamp, não se trata apenas de ensinar o gênero, mas de pensar ‘no que ensinar por meio de um gênero’. Não é preciso, portanto, explorar todas as propriedades de um artigo de opinião, esgotando o tema, mas selecionar um foco de aprendizagem que pode ser, por exemplo, a capacidade de tomar uma posição ou refutar um argumento. Neste sentido, o programa consegue, através do procedimento das sequências didáticas, que se traduzem no material pelas diferentes oficinas de cada gênero, promover uma aprendizagem passo a passo em que o professor poderá dispender mais tempo para uma capacidade do que outra, conforme as necessidades e as possibilidades de sua turma.

Daí, temos a noção de aprendizagem que é base para a orientação metodológica do programa. Ou seja, tentar saber o que o aluno já sabe sobre aquele gênero. Depois, trabalhar com um objetivo de aprendizagem através de diferentes configurações de trabalho, em dupla, em trabalho coletivo, que vai ao encontro do que Vygotsky preconiza como um trabalho pedagógico que atua na ZPD (Zona de Desenvolvimento Proximal), através da colaboração do par mais avançado. Em alguns momentos o próprio professor e, em outros, os colegas.

Vale frisar que esta consideração das ideias de Vygotsky sobre aprendizagem se traduz em muitas ações dentro da sequência, seja para a leitura ou para a escrita, já que o propósito, ao fim da oficina de cada gênero, é uma produção individual do aluno naquele gênero estudado. Interessante lembrar de um simples exercício - me recordo da atividade nos cursos on line da Comunidade Virtual -, em que um personagem envia emails ao outro tentando ajudá-lo na compreensão do que seria o ensino a partir dos gêneros textuais. Desta forma, tal teoria da aprendizagem embasa todo o programa e não somente aquele material com que o aluno vai entrar em contato, mas sobretudo o material que o professor vai ter em sua formação – vivenciando na própria pele este processo.

Assim, temos que a OLPEF, tomando o gênero como objeto de ensino-aprendizagem de língua materna, pode proporcionar ao professor, e consequentemente ao aluno, uma nova relação com a linguagem e com a língua portuguesa, tomando contato com a língua em uso e definindo O QUE ESTUDAR por meio dos diferentes textos em diferentes gêneros que se apresentarão para leitura e escrita. Outro ponto em que insisto é o COMO, É O FAZER PEDAGÓGICO, que considera o aluno detentor de um saber que precisa ser percebido e, a partir daí, aprimorado, refletido e ampliado. É a consideração da ZPD. E essa consideração – parece estranho dizer que HÁ ENSINO – ninguém aprende a ler só lendo ou a escrever só escrevendo. Ler e escrever – além do domínio do código – pode ser ENSINADO e APRENDIDO. No programa, isso se traduz nas sequências didáticas e nas oficinas.

Compreendo que toda mudança é de difícil aceitação e que estamos numa fase complicada do ensino de Língua Portuguesa. Uma fase de transformações que são culturais e que também mexem com nossas práticas, concepções, modelos e nos materiais didáticos. Mas, afirmo, com toda segurança e com base no pouco que já estudei sobre o tema e na minha experiência de 24 anos como docente, é que esta proposta é produtiva, positiva. Ela pode auxiliar a gerar grandes frutos e mudanças em nossas salas de aula.

Publicado em: 22/07/2010

terça-feira, 20 de julho de 2010

OFICINAS E MATERIAIS

PROBLEMAS DE AUDIÇÃO - NEUROLINGUISTICA


Problemas na audição também afetam aprendizagem infantil
http://www.crianca.pb.gov.br/site/?p=4592


Luana Câmara
A audição é um dos sentidos básicos do ser humano com capacidade de perceber os sons do meio em que vivemos e transmiti-los como onda ao córtex cerebral. Por vezes, as dificuldades de aprendizagem são sentidas entre 10 a 15% das crianças em idade escolar. Para o médico norte-americano, autor do livro Audição na Infância e consultor do Centro de Audiologia Marion Downs, no Centro Médico da Universidade do Colorado em Denver, Jerry Northern, o Brasil é um dos poucos países eficazes na identificação do problema auditivo e na sua correção.
“O Brasil é bem sucedido nesse campo. Aqui vocês fazem o teste antes do bebê deixar o hospital. Depois de descobrir e confirmar que a criança tem mesmo um déficit de audição, trabalhamos muito próximo dos pais. Às vezes, ela precisa usar um aparelho auditivo e quem vai ajudá-la na adaptação são os pais. Hoje esses aparelhos são feitos sob medida e cabem perfeitamente no ouvido de cada criança.”, disse o médico norte-americano.
Como identificar o problema
As constantes dúvidas a respeito da audição infantil devem ser sempre verificadas. Pois, crianças que aparentemente são “aéreas”, ou seja, possuem a necessidade que a mensagens sejam repetidas diversas vezes, ou ainda não gravam o que lhe é apresentado, podem apresentar problemas de audição ou percepção de sons.
“Os primeiros a darem a notícia de que uma criança possui problema de audição são os professores que percebem logo que uma criança tem um problema auditivo, pois observam que a criança tem transtorno de atenção ou fazem perguntas repetidas. Depois desse alerta, os pais devem passar a observar o comportamento dos filhos em casa”, disse o pediatra, Constantino Cartaxo.

Tratamento
As crianças com problemas auditivos se mantêm silenciosas por não escutar nem a sua própria voz, comprometendo, dessa forma, o desenvolvimento da linguagem falada, já que a fala ouvida serve de referencia para o desenvolvimento individual da fala.
Para o pediatra, se houver alguma dúvida a respeito desse transtorno na audição, os pais devem procurar um profissional competente. “O primeiro passo é a identificação do problema o mais precoce possível com o auxílio de um exame chamado audiometro solicitado por um pediatra ou por um otorrino. Caso esse exame demonstre um grau médio, a criança passará a usar um aparelho auditivo e em casos extremos será colocado um implante”, falou.
Solidariedade dos coleguinhas
Os efeitos desses problemas de audição se estendem à aprendizagem e ao preconceito no ambiente escolar, já que em muitas situações essas crianças são taxadas como “rebeldes” ou “distraído”, pois apresentam problemas no aproveitamento pessoal, comportamental, atenção, concentração e de diálogo.
Para a educadora infantil Suênia de Brito, essas alterações comprometem a aprendizagem escolar nos aspectos referentes à leitura, escrita e absorção de conteúdos. “Na verdade, essas crianças tidas como distraídas tendem a acolher os coleguinhas com dificuldades com o intuito de ajudá-las, por serem muitos pequenas elas ainda possuem essa inocência e sensibilidade”, afirmou.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

TEXTO DE APOIO ÀS PROFESSORAS DO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA DA FQM


LABORATÓRIO DE COGNIÇÃO E LINGUAGEM

Projeto IV: Aquisição e Neurolingüística
Estudo 1: Responsável: Marcia Maria Damaso Vieira, MN - UFRJ
Estudo 2: Responsável: Doutoranda Aniela Improta França - UFRJ
O Projeto IV - Aquisição e Neurolingüística - abriga dois estudos que tratam da aquisição da linguagem sob perspectivas diferentes. O primeiro, coordenado pela Prof. Marcia Maria Damaso Vieira, visa a investigar a aquisição das categorias funcionais, isto é, a parte mais formal da gramática, por crianças em processo de aquisição do português. Nele serão testadas hipóteses distintas sobre a aquisição de linguagem, como a hipótese da mini-oração (Radford, 1990) e a hipótese da oração plena (Hyams, 1994), através da investigação da natureza e da aquisição dos traços relacionados às categorias funcionais e sobre o papel desses traços na arquitetura da gramática.
O segundo estudo, conduzido pela aluna do doutorado do Departamento de Linguística da UFRJ, Aniela Improta França, visa a investigar a aquisição de complementizadores através da testagem de seis séries de sentenças que para serem interpretadas se estendem entre o módulo especificamente lingüístico e outro modulo da mente humana conhecido como "Teoria da Mente" (De Villiers, 1994). Além de um teste de julgamento de gramaticalidade aplicado em crianças de três a seis anos, este estudo lança mão de um protocolo neurolingüístico para uma aferição das séries sob a ótica da atividade elétrica córtico-cerebral, denominada potencial relacionada a eventos (ERP- Event Related Potential)
1. Estudo 1 - A Aquisição das Categorias Funcionais
Responsável: Marcia Maria Damaso Vieira, MN - UFRJ

1. 1 Introdução
De acordo com a Teoria Gerativa, as gramáticas de todas as línguas naturais se conformam a um mesmo esquema formal abstrato. A variação paramétrica observada entre elas é derivada da natureza dos traços das categorias funcionais que compõem o esqueleto oracional.
No Programa Minimalista (Chomsky, 1993 e 1995), a variação paramétrica passa a ser vista como sendo determinada pela força dos traços abstratos das categorias funcionais. Os traços fortes, mas não os fracos, devem ser eliminados antes de Spell-Out, através de mecanismos de checagem, visto que não são objetos legítimos do componente fonológico. É a checagem de traços, via movimento, o elemento responsável pela variação da ordem linear dos constituintes oracionais.
A tarefa da criança no processo de aquisição da gramática da língua materna parece reduzir-se à fixação dos valores dos traços relacionados aos núcleos funcionais.
O objetivo principal do presente estudo é, então, investigar a aquisição das categorias funcionais, bem como a natureza dos traços relacionados a essas categorias.

1. 2. Estudos anteriores

O desenvolvimento das categorias funcionais nas gramáticas das crianças em fase de aquisição tem sido alvo de constantes estudos entre os investigadores da área de aquisição da linguagem.
As hipóteses levantadas nesses estudos, são baseadas nos dados produzidos nos estágios iniciais da aquisição da gramática, estágios esses que se caracterizam pela ausência de elementos funcionais, tais como: formas flexionadas, verbos auxiliares e modais, determinantes, complementizadores, etc.
Existem, na literatura, duas hipóteses centrais referentes à aquisição das categorias funcionais. São elas:
(i) A hipótese da Mini-Oração: Radford (1986 e 1990) argumenta que as orações produzidas por crianças na faixa etária entre 1.5 e 2.6 meses, contêm apenas projeções lexicais. Segundo o autor, trata-se de construções pré-funcionais em que IP, CP e DP se encontram ausentes. Como consequência desse fato, todas as estruturas que dependem, para a sua realização, desses núcleos funcionais ou de suas projeções estão ausentes das gramáticas iniciais. A inexistência de CP implica, por exemplo, na ausência de construções interrogativas com palavras QU e de orações encaixadas introduzidas por complementizadores como ilustram os exemplos a seguir :
1. Achu caiu meu shapatu (= acho que caiu o meu sapato) 2.3
2. buxa tá fazendo? (= o que a bruxa está fazendo?) 2.8
Dentro dessa perspectiva, existe uma correlação entre ausência de elementos funcionais (determinantes, verbos auxiliares, flexão, etc.) e ausência de categorias funcionais (IP, CP e DP).
Para Radford, que segue a hipótese da maturação, as categorias funcionais estão biologicamente determinadas a eclodirem na gramática da criança em períodos específicos. Assim, na fase telegráfica (em que os elementos funcionais estão ausentes) as categorias funcionais são inexistentes.
É a partir da emergência das categorias funcionais que o vocabulário relevante é adquirido. Essa proposta prevê que os valores dos traços funcionais são fixados mais tardiamente e assim a gramática da criança na fase telegráfica difere radicalmente da gramática do adulto.
(ii) A hipótese da Oração Plena: Hyams (1994) defende a hipótese da continuidade segundo a qual as categorias funcionais já estão presentes desde o início da aquisição. Para a investigadora, a ausência de elementos funcionais não implica na ausência de categorias funcionais, mas é tratada como uma conseqüência de aprendizagem lexical posterior. Segundo Hyams, os elementos funcionais são mais complexos de serem adquiridos, visto que não possuem referencialidade ou conteúdo lexical.
Como evidência para a existência de categorias funcionais nesta fase inicial, Hyams menciona o fato de que já são observadas operações sintáticas, que dependem da presença estrutural de categorias funcionais específicas no esqueleto oracional. Nas gramáticas iniciais do alemão, língua V2, observa-se que as crianças já fazem movimento de verbo para a segunda posição da sentença.
Traduzindo tal proposta para o quadro minimalista, podemos dizer que os valores (forte ou fraco) dos traços das categorias funcionais são fixados simplesmente mediante exposição aos dados lingüísticos relevantes; isto é, eles são fixados de forma instantânea, posto que, o inventário de categorias funcionais está completo desde o início. Sendo assim, a gramática da criança não vai diferir da gramática do adulto.

1.3. Os objetivos deste estudo
Com base na produção de dados da fala de crianças em estágios iniciais de aquisição do Português e à luz de propostas recentes do Programa Minimalista, pretendemos confrontar essas duas hipóteses- da mini-oração e da oração plena- sobre a aquisição de categorias funcionais com a finalidade de discutir o processo de aquisição das categorias funcionais e a fixação dos parâmetros referentes aos traços formais, bem como investigar a natureza e a função desses traços na construção da gramática.
Muitas questões precisam ser respondidas para que se possa descrever e analisar os dados referentes às gramáticas iniciais do Português de maneira correta e entender melhor a natureza dos traços relacionados às categorias funcionais e seu papel na variação. Entre elas podemos citar:
(i) Existe alguma correlação entre morfologia flexional (que não precisa ser expressa por afixos, mas que tenha a função de contrastar em paradigmas morfológicos, tal como o morfema zero do singular que se opõe ao s do plural) e movimento verbal? Isto é, movimento de núcleo verbal pode estar condicionado à presença/ausência de morfologia flexional como sugere Solà (1996)? Solà critica a natureza não explicativa e circular com que a definição de traços formais tem sido tratada no Minimalismo e oferece uma análise alternativa segundo a qual um elemento só pode se mover para um núcleo funcional se possuir morfologia correspondente a esse núcleo . Essa questão é relevante também para a decisão de escolha entre as hipóteses da mini-oração e da oração plena.
(ii) Por que crianças falantes do Português, apesar de já terem adquirido palavras interrogativas do tipo o quê e complementizadores como que, encontrados em perguntas formuláicas, não produzem, antes dos 2.8, construções envolvendo CP, tais como interrogativas de objeto, topicalizações e relativas?
Nem a proposta de Hyams , nem a de Radford parecem dar conta desse fato. Segundo esta última, se existe o elemento funcional relacionado a uma determinada categoria funcional é porque esta já faz parte da gramática da criança. Sendo assim, como explicar a ausência dessas estruturas?
Essas e muitas outras perguntas relacionadas à aquisição das categorias funcionais e à natureza dos traços dessas categorias serão temas de investigação deste estudo.

1.4. Metodologia
Os dados de aquisição do Português a serem utilizados através de uma observação longitudinal de três crianças de dois anos, que se encontram ainda no estágio de duas palavras.
Serão realizadas gravações da produção lingüística dessas crianças em ambientes distintos, tais como em casa, na creche e em lugares externos que terão a participação de outros interlocutores com os quais as crianças tenham alguma afinidade para que elas possam falar espontaneamente.
O desenvolvimento da gramática dessas crianças será acompanhado durante o período de dois anos, tempo de vigência deste projeto.
1.5. Colaboradores
Roza Lúcia Pereira Virgílio Neves , aluna do Mestrado no curso de Pós-Graduação em Língüística da Faculdade de Letras da UFRJ , será minha orientanda a partir deste ano e atuará como colaboradora do presente estudo. Ela coletará os dados de aquisição de seu filho que se encontra atualmente com 1.7.

1.6. Futuras colaborações entre projetos
Está prevista também uma futura colaboração entre este estudo e o projeto "Estrutura e Processamento Sintático de Linguas Naturais" coordenado pelo Prof. Marcus Maia. Através de estudos longitudinais com crianças em fase de aquisição do Português serão testadas a compreensão e a produção de certas estruturas gramaticais. Testes envolvendo, por exemplo, a compreensão de estruturas interrogativas são relevantes para o nosso estudo, visto que se a criança mostrar compreensão e não produção podemos suspeitar que CP já esteja presente em sua gramática, apesar de não se manifestar em forma fonológica. Esse tipo de estudo nos ajudará a entender um pouco mais sobre a natureza e o papel das categorias funcionais na arquitetura da gramática.
2. Estudo 2 - A Aquisição de Complementizadores
Responsável: Doutoranda: Aniela Improta França - UFRJ
Orientação: Prof. Miriam Lemle - UFRJ
Co-orientação: Prof. David Poepple - U. of Maryland
2.1. Introdução:

Assumindo o arcabouço teórico da Gramática Gerativa concebemos que a gramática de todas as línguas é composta por um componente ou módulo computacional restrito por um sistema de princípios que gera um output com algum nível de variação interlingüística determinada por um sistema universal de Parâmetros. A teoria prevê que este módulo, especificamente lingüístico, passa por determinados períodos de desenvolvimento que se manifestam nas várias fases da gramática infantil.
Acredita-se ainda que outros módulos cognitivos não-lingüísticos também amadureçam e interajam, através de interfaces, com o módulo especificamente lingüístico e que, durante o processo de desenvolvimento de linguagem, afetem o desempenho da linguagem adquirida. Assumimos também que cada módulo tenha como primitivos seus próprios traços cuja natureza, comportamento, propriedades e valências interagem de modo específico com outros módulos e interfaces do sistema cognitivo.
O licenciamento destes traços, veículos da intensa comunicação intermodular, é portanto um campo de estudo imprescindível para as ciências cognitivas e exige uma investigação que atinja níveis mais internos e fisiológicos da cognição, invisíveis na expressão do desempenho (Heycock e Kroch, 1999).
O campo da neurolingüística , que surge nas fronteiras das pesquisas cognitivas, conta com métodos investigativos não-invasivos que vêm sendo mais e mais capazes de aprofundar as investigações lingüísticas para um nível mais sutil, revelando on-line, aspectos cortico-cerebrais das relações entre o sistema computacional da sintaxe, suas interfaces e as relações pós-interface estabelecidas com outros módulos mentais.
É dentro deste campo que se insere este estudo - A Aquisição de Complementizadores, uma Mácula na Inocência - que tem por objetivo verificar a atividade elétrica cortical de diversos tipos de seleção categorial que licenciam traços especificamente lingüísticos ou não em prol de uma dada interpretação semântica.

2.2. O Estudo:
Nele preparamos um teste de julgamento lingüístico para seis séries de orações organizadas em um contínuo que pretende se estender através de módulos, partindo do especificamente lingüístico ao não-lingüístico. As cinco primeiras séries contêm relações dentro do âmbito que acreditamos ser especificamente lingüístico e a última envolveria a ação de outro módulo, não-lingüístico, conhecido como "Teoria da Mente". As seis séries - organizadas como mostramos a seguir - foram primeiro aferidas por observação psicológica de avaliação de gramaticalidade por crianças entre 3 e 6 anos, e serão subseqüentemente investigadas através de um teste eletroencefalográfico capaz de identificar a formação de potenciais relacionados a eventos - ERP.
Série A - Seleção Semântica entre expressões adjacentes, do tipo núcleo + complemento e núcleo + adjunto.
Ex. *João comeu sandália.
Osterhout & Holbcomb (1995) testaram a recepção deste tipo de sentença por sujeitos monitorados por um EEG de alta densidade. Os autores acharam um componente elétrico negativo relacionado ao evento da incongruência. Este "susto semântico" foi detectado pela formação de um ERP aos 400ms após o início da palavra semanticamente incongruente 'sandália'. Acredita-se que este componente - N400 - funcione como uma assinatura elétrica caracterizando a dificuldade de re-análise semântica que requereria uma informação morfo-léxica que vai além daquela estabelecida pela análise gramatical dos estímulos lingüísticos precedentes.
É interessante notar que tal topografia de EEG não foi observada por Besson & McCar (1987) quando expuseram sujeitos a estímulos musicais de melodias famosas que terminavam em notas inesperadas. Este achado sugere a especificidade lingüística do componente N400.
Série B - Seleção Semântica entre expressões não adjacentes, envolvendo a relação de herança referencial entre antecedente e pronome.
Ex. *Lá está José, segurando uma fatia da pizza de ontem. Ele é provavelmente a única pessoa no mundo inteiro que ia querer ler ela.

Série C - Seleção Semântica entre expressões não adjacentes envolvendo deslocamento sintático dos tipos movimento SN e movimento de WH.
Ex. *Todo mês uma árvore é lida pelos alunos.
Série D - Histórias em que os comportamentos esperados das personagens são estabelecidos em uma história famosa ou são previsíveis através de regras pragmáticas.
Ex. *A avó da Chapeuzinho Vermelho foi comida pelo coelhinho.
Série E - Provérbios e músicas conhecidas.
Ex. *De grão em grão a gazela enche o papo.
Série F - Histórias que não podem ser deduzidas por regras pragmáticas ou conhecimento prévio.
Ex. Quando o João estava quase saindo de casa para jogar bola no quintal, a mãe dele tinha acabado de assar o bolo favorito dele. Ela diz para João ir brincar enquanto o bolo esfria no armário. Mas o João levou muito tempo brincando no quintal, e a mãe dele decidiu por o bolo na geladeira para a cobertura não derreter.
Quando terminou de brincar João estava com fome e foi direto para a geladeira para pegar um pedaço daquele bolo gostoso.
De Villiers (1995) contou histórias como esta para um grupo de crianças cujas idades variavam entre 3 a 5 anos. Ao término da história, em lugar da declaração final acima, foi feita uma pergunta: "Onde você acha que o João procurou o bolo quando ele terminou de brincar"?
De Villiers verificou que as crianças menores (de 3 a 4 anos.) tendiam a acreditar que o João realmente procurou o bolo na geladeira. Por outro lado, as crianças mais velhas (com mais de 4 anos.) tendem a fazer a predição correta sobre o comportamento de João - que ele procurou o bolo no armário. Este achado intrigou De Villiers já que em seu estudo prévio de aquisição de movimento de WH ficou demonstrado que crianças de 3 e 4 anos já têm um entendimento sofisticado de deslocamento de WH - curtos ou longos. Parece então que a operação sintática não pode ter sido a causa do problema de interpretação relatado no estudo de De Villiers. A resposta errada para a pergunta: "Onde você acredita que o João procurou o bolo"? parece estar ligada a uma dificuldade não-lingüística.
A autora conclui que a interpretação das crianças mais jovens de julgarem o IP mais baixo como complemento de um verbo de fala ou de convicção não foi possível porque, até uma determinada fase de desenvolvimento, as crianças não têm acesso ao módulo cognitivo que é responsável pelo conteúdo intencional de outros, um conteúdo que é inserido sintaticamente como um complemento do IP mais alto, o que mais tarde permite a extração deste nível. Assim, de acordo com a autora, a escolha da extração interage com o estado de maturidade de um módulo não-lingüístico - o módulo do conhecimento do conteúdo mental nas mentes de outros, módulo este conhecido na literatura como "Teoria da Mente." Portanto, no caso apresentado as crianças menores falham em perceber que o conhecimento da personagem da história conta com menos informação do que o conhecimento delas próprias.
O fato de que, nos primeiros anos de vida, as crianças julguem a realidade apenas com o conteúdo proposicional de suas próprias mentes e que não possam levar em conta o conteúdo nas mentes dos outros caracteriza o que adultos sentem como a inocência da criança. A capacidade que se desenvolve para controlar os conteúdos nas mentes de outros macula esta inocência e é, na realidade, a base cognitiva para o fingimento, a dissimulação e a mentira, bem como é a base para o desenvolvimento de conversação, já que a escolha da informação a ser compartilhada com um interlocutor depende do nosso conhecimento do que este interlocutor sabe a respeito de um determinado tópico de conversação.
Assim, o protocolo citado, envolvendo a testagem de seis série de orações com material semanticamente incongruente, começando com um teste de seleção semântica simples e progredindo para extração de WH, pode lançar luz sobre os vários pontos de transição entre o que é estritamente lingüístico e o que envolve outros processos cognitivos não-lingüísticos.

2.3. Metodologia do Teste Psicológico:
Até o presente momento a parte inicial de testagem psicológica já está concluída. Um teste de julgamento lingüístico foi aplicado a 36 sujeitos distribuídos homogeneamente em quatro faixas etárias: 3, 4, 5 e 6 anos. Os sujeitos foram expostos a 6 séries de estímulos auditivos cada um com 6 orações. Cada série tinha frases incongruentes e congruentes respectivamente na taxa de 1:1. Os sujeitos foram instruídos para identificar o material incongruente. Eles foram testados com a manipulação de dois bonecos de dedo movidos pelo investigador. Um dos bonecos foi caracterizado como um menino que só fala orações congruentes e o outro como um menino que só fala orações incongruentes. Foi pedido que as crianças identificassem qual boneco falou cada uma das 6 orações nas 6 séries.
A hipótese aqui é que cada faixa etária exibiria competência distinta relativa às orações na série, culminando com uma maior dificuldade para lidar com série F, um achado que confirmaria o estudo de De Villiers. Como poderemos observar na página seguinte os resultados confirmaram a predição nos seguintes pontos:
2.4. Resultados Preliminares:
Como mostra a Tabela a seguir, no teste de avaliação psicológica, nas Séries A, B, C e D o número de erros é inversamente proporcional às faixas etárias corroborando os achados clássicos de que durante o período de desenvolvimento da linguagem as crianças passam por estágios gramaticais incrementais em direção à linguagem adulta. Desta forma a interpretação do conteúdo da Série A, por exemplo, envolvendo seleção semântica entre núcleo e complemento ou adjunto é muito mais problemática para o grupo de 3 anos do que para o de 6 anos.
Contrastantemente, as Séries E e F mostraram não ser objeto de maturação lingüística como nas séries anteriores. A Série E ofereceu o mesmo nível baixo de dificuldade para todas as faixas etárias, sugerindo que a produção de conteúdo lingüístico inserido em uma música envolve processos não-lingüísticos, como mostram os achados de Besson & McCar (1987).
A Série F também ofereceu nível alto de dificuldade para todas as faixas etárias, corroborando os achados de De Villiers que apontam que a dificuldade das crianças até uma faixa etária na interpretação de complementizadores pode advir da não disponibilidade, para as faixas etárias testadas, do módulo mental não-lingüístico que coordena as informações da mente do outro - o Módulo da Teoria da Mente.



2.5. Metodologia do Teste Neurolingüístico:
Subsequentemente ao teste psicológico inicial, um teste de ERP (potencial relacionado a evento) será aplicado a 20 sujeitos adultos. O teste será efetuado por um eletroencefalógrafo de alta densidade, cujo uso será disponibilizado ao pesquisador pelo Cognitive Neuroscience of Language Lab da Univeristy of Maryland,.
Os sujeitos serão expostos às 6 séries de estímulos auditivos já descritos, contendo 40 orações, com materiais incongruentes e congruentes respectivamente na taxa de 1:1.
A hipótese aqui é que as Séries 1-5 apresentarão várias topografias de N400, relacionadas à presença de material incongruentes, especificamente lingüísticos, advindo da dificuldade de re-análise on-line. Porém, a Série 6 pode dar origem a uma outra topografia resultante da possível interação entre um módulo estritamente lingüístico e um não-lingüístico - o do conhecimento do conteúdo mental nas mentes de outros.

2.6. Considerações Finais:
A pesquisa aqui apresentada tem o mérito de ser uma das primeiras na área a ter como tema, simultaneamente, a aquisição de linguagem e a técnica de aferição através de potencial relacionado ao evento - EEG/ERP. É também pioneira ao utilizar uma testagem on-line de input acústico, em vez de visual, muito mais comumente testado. Por estas razões este estudo despertou o interesse e a disposição de ajuda do grupo do Prof. David Poepple (Ver anexa tradução juramentada de carta) do Laboratório de Ciências Cognitivas da Linguagem (Neuroscience of Language Lab - http://www.umd.edu/CNL/) - NCL- da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.
O contato da doutoranda Aniela Improta França com este grupo já tem longa história de interações via e-mail que culminaram com um estágio de um mês que a pesquisadora fez no NCL, onde foi treinada para usar o EEG e outras plataformas básicas de testagem neurolingüísticas. Mais importante ainda, sob a orientação dos Profs. David Poepple e Stephen Crain desenvolveu o protocolo de EEG que pretende aplicar ainda no primeiro semestre de 2000, durante um novo estágio de 3 meses no NCL.
Este contato marca o início de um trabalho cooperativo na área da neurolingüística que deverá expandir-se, tornando-se uma semente para trazer, para dentro do novo Laboratório de Cognição e Linguagem da UFRJ, os avanços da investigação neurolingüística.