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domingo, 25 de julho de 2010

OLIMPIADAS DE LÍNGUA PORTUGUESA





Profª. Drª. Simone de Jesus Padilha
Universidade Federal de Mato Grosso

A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro está perfeitamente adequada ao que tem sido sugerido desde a década de 90, por meio dos documentos oficiais, para o ensino da língua materna em nosso país: um trabalho voltado para o eixo dos usos da linguagem, que toma o texto como unidade e os gêneros como objetos de ensino. Isso constitui aquilo que o professor Egon Rangel chama de uma virada pragmática. Para outros teóricos trata-se de uma nova abordagem ou uma mudança paradigmática. É interessante pensar que o professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Luli Radfaher diria, brincando, que paradigma, na verdade, constitui uma “paradinha”. E qual é a paradinha da vez, no ensino de Língua Portuguesa? E por que se faz necessária?

Desde os anos 80, mais precisamente a partir de 1984, com a publicação do clássico O texto na sala de aula, do professor João Wanderlei Geraldi, linguista renomado da UNICAMP, é que as questões que norteiam o ensino de língua portuguesa tem se destacado. E isso ocorre não apenas na academia, mas nos cursos de formação de professores de todo o país. E Geraldi se perguntava (creio que ainda se questiona), como é que passamos onze anos na escola, no mínimo, estudando a língua portuguesa praticamente todos os dias, e saímos sem conhecê-la. Ou melhor, como é que a estudamos na escola por tanto tempo e não somos capazes de sair dela como leitores críticos e produtores efetivos de textos?

Numa entrevista à revista Na Ponta do Lápis, o professor da Universidade de Genebra, Joaquim Dolz diz uma frase que parece responder, um pouco, a isso: de que adianta conhecer o código, se não entende o texto? E eu complemento: se não é capaz de redigir um texto de sua AUTORIA. E compreende-se, aqui, autoria em letras maiúsculas, como o exercício de tornar-se autor, de ter sua própria voz, de ser produtor independente. Ou seja, podemos dizer que nosso ensino esteve e ainda está muito focado na aquisição do código e na aquisição da nomenclatura sobre ele, isto é, no ensino da metalinguagem.

Dos anos 80 para cá, quando esta discussão se tornou mais premente – e ainda é urgente, pois a situação não mudou – nossos alunos continuam fracassando em Língua Portuguesa na escola, haja vista o resultado das avaliações oficiais nacionais e internacionais, com todas as ressalvas que possamos fazer a elas: o brasileiro não é capaz de ler um texto, de interpretá-lo além da estratégia básica de localização de informações e produção de inferências simples.

Neste contexto, e tendo em vista outros processos de mudanças das políticas públicas voltadas à educação, como a própria LDB e a reestruturação de nossos sistemas de ensino, é que surgiram propostas mais efetivas de mudanças nas práticas de ensino-aprendizagem da língua materna na escola. Os PCN, e destaco aqui principalmente o documento de terceiro e quarto ciclos, são claros em propor um ensino pautado numa nova concepção de linguagem (vista como interação, numa nova abordagem). Trata-se do ensino dos gêneros como conteúdos – como objetos de estudo das aulas – trazendo à baila o pensamento de Mikhail Bakhtin numa perspectiva sócio-histórica de aprendizagem, que leva em conta, sobretudo, o pensamento de Vygotsky, ao salientar a importância de se observar as necessidades e possibilidades de aprendizagem do aluno.

É com igual coerência que o programa Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro vai estruturar-se teórica e metodologicamente, considerando os usos da linguagem em diferentes esferas da atividade humana e que se configuram em usos recorrentes e próprios, se estabilizando naquilo que vai se denominar gênero de texto, ou gênero textual. Para os mais puristas estudiosos de Bakhtin, em gêneros do discurso. Ou seja, da conversa íntima, familiar e do bate-papo de bar até a notícia do jornal, o romance, o poema, a ata, a procuração, a dissertação de mestrado, enfim, convivemos com diferentes práticas sociais que se dão em diferentes práticas de linguagem e que se nos apresentam em diferentes gêneros. A noção de gênero estrutura o material da Olimpíada, pois cada caderno tem como foco o ensino de um gênero específico e, a cada edição do programa, novos gêneros são inseridos no processo.

A noção de gênero tem a qualidade, como já teorizou o professor Schneuwly, também da Universidade de Genebra, de ser um mega-instrumento. A partir do gênero podemos aprender diversos modos de usar a linguagem e ter diversas capacidades de linguagem. Assim, como diz a professora Roxane Rojo, da Unicamp, não se trata apenas de ensinar o gênero, mas de pensar ‘no que ensinar por meio de um gênero’. Não é preciso, portanto, explorar todas as propriedades de um artigo de opinião, esgotando o tema, mas selecionar um foco de aprendizagem que pode ser, por exemplo, a capacidade de tomar uma posição ou refutar um argumento. Neste sentido, o programa consegue, através do procedimento das sequências didáticas, que se traduzem no material pelas diferentes oficinas de cada gênero, promover uma aprendizagem passo a passo em que o professor poderá dispender mais tempo para uma capacidade do que outra, conforme as necessidades e as possibilidades de sua turma.

Daí, temos a noção de aprendizagem que é base para a orientação metodológica do programa. Ou seja, tentar saber o que o aluno já sabe sobre aquele gênero. Depois, trabalhar com um objetivo de aprendizagem através de diferentes configurações de trabalho, em dupla, em trabalho coletivo, que vai ao encontro do que Vygotsky preconiza como um trabalho pedagógico que atua na ZPD (Zona de Desenvolvimento Proximal), através da colaboração do par mais avançado. Em alguns momentos o próprio professor e, em outros, os colegas.

Vale frisar que esta consideração das ideias de Vygotsky sobre aprendizagem se traduz em muitas ações dentro da sequência, seja para a leitura ou para a escrita, já que o propósito, ao fim da oficina de cada gênero, é uma produção individual do aluno naquele gênero estudado. Interessante lembrar de um simples exercício - me recordo da atividade nos cursos on line da Comunidade Virtual -, em que um personagem envia emails ao outro tentando ajudá-lo na compreensão do que seria o ensino a partir dos gêneros textuais. Desta forma, tal teoria da aprendizagem embasa todo o programa e não somente aquele material com que o aluno vai entrar em contato, mas sobretudo o material que o professor vai ter em sua formação – vivenciando na própria pele este processo.

Assim, temos que a OLPEF, tomando o gênero como objeto de ensino-aprendizagem de língua materna, pode proporcionar ao professor, e consequentemente ao aluno, uma nova relação com a linguagem e com a língua portuguesa, tomando contato com a língua em uso e definindo O QUE ESTUDAR por meio dos diferentes textos em diferentes gêneros que se apresentarão para leitura e escrita. Outro ponto em que insisto é o COMO, É O FAZER PEDAGÓGICO, que considera o aluno detentor de um saber que precisa ser percebido e, a partir daí, aprimorado, refletido e ampliado. É a consideração da ZPD. E essa consideração – parece estranho dizer que HÁ ENSINO – ninguém aprende a ler só lendo ou a escrever só escrevendo. Ler e escrever – além do domínio do código – pode ser ENSINADO e APRENDIDO. No programa, isso se traduz nas sequências didáticas e nas oficinas.

Compreendo que toda mudança é de difícil aceitação e que estamos numa fase complicada do ensino de Língua Portuguesa. Uma fase de transformações que são culturais e que também mexem com nossas práticas, concepções, modelos e nos materiais didáticos. Mas, afirmo, com toda segurança e com base no pouco que já estudei sobre o tema e na minha experiência de 24 anos como docente, é que esta proposta é produtiva, positiva. Ela pode auxiliar a gerar grandes frutos e mudanças em nossas salas de aula.

Publicado em: 22/07/2010

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