Autora: Heloisa Amaral
I - Pensamento, linguagem e ensino
Vygotsky, pensador russo do início do século XX, ensina-nos que pensamento e linguagem estão associados de maneira indissolúvel. Os instrumentos lingüísticos do pensamento, para esse autor, quando associados à experiência sociocultural, determinam o desenvolvimento do próprio pensamento, o caminho que esse desenvolvimento tomará.
Assim, o pensamento e a linguagem estão sempre associados. Pensamos por meio das linguagens e com elas concretizamos nossos pensamentos. Como se pode comprovar por nossa própria vivência em inúmeras situações de comunicação ao longo do tempo em que existimos, todas as linguagens se materializam em textos, sejam esses textos artigos de opinião, falas numa peça de teatro, fórmulas matemáticas ou químicas, quadros ou fotos, poemas, notações musicais para uma canção, anúncios, placas de trânsito ou outra forma qualquer de expressão do pensamento.
Ainda retomando as lições de Vygotsky, podemos dizer que sempre aprendemos socialmente, nunca individualmente. A aprendizagem se dá nas interações sociais. Primeiro somos capazes de aprender nas inter-ações, nas ações entre as pessoas, para depois internalizarmos essa aprendizagem, produzindo conhecimentos pessoais. É nas interações sociais que nos apropriamos do conhecimento já produzido e depois o internalizamos. Depois do conhecimento internalizado, podemos criar outros conhecimentos, conhecimentos pessoais. A criação e a autoria, portanto, antes de serem individuais, são sociais.
Esse modo de ver a aprendizagem coloca a escola e o professor em lugares muito especiais. O professor é um mediador entre o conhecimento já produzido e o conhecimento que seu aluno vai construir. Outros mediadores são os colegas. Nas interações que se dão na escola, com os colegas e especialmente com o professor, os alunos desenvolvem experiências socioculturais inestimáveis, que desenvolvem seu pensamento e, é claro, sua linguagem.
II – Pensamento, gêneros textuais e aprendizagem
Nos últimos anos, a expressão “gêneros de texto” tornou-se comum, mas poucas vezes paramos para pensar no que ela significa. Como a palavra "gênero" significa "família, grupo", podemos dizer que gêneros textuais são “famílias”, grupos de textos que têm origens semelhantes, ou seja, nascem em situações de comunicação que ocorrem em uma mesma área de produção de linguagem.
Quando se produz qualquer tipo de conhecimento, como o conhecimento médico, o jurídico, ou a tecnologia de fazer sapatos, por exemplo, ou ainda a cultura familiar que é transmitida durante gerações, ao mesmo tempo são produzidas linguagens próprias desses campos de conhecimento. Os campos de conhecimento, como dizia Bakhtin, outro pensador russo do século XX, são tão numerosos como as atividades humanas. É possível dizer que seu número é infinito, porque a todo o instante surgem novos tipos de atividade e, portanto, novas linguagens. Um exemplo próximo de nós é a linguagem que nasceu e se constituiu junto com os computadores e a Internet.
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos afirmar que as linguagens próprias dos diferentes campos de conhecimento (ou esferas de atividade humana, nas palavras de Bakhtin) são os gêneros textuais ou gêneros de texto. Encarar língua e linguagem dessa perspectiva muda radicalmente o que pensamos sobre seu ensino. Em vez de práticas de memorização,treinamento motor e uso do texto como pretexto para ensinar gramática, precisamos fazer compreender a situação de produção dessas linguagens na sociedade e as particularidades que os textos adquirem por estarem ligados às diferentes áreas de produção de conhecimento.
A escola é uma área de atividade humana e, naturalmente, produz gêneros textuais próprios. Ao ouvirmos a palavra "prova", que é um gênero tipicamente escolar, além de sabermos como é o tipo de composição que ela usualmente tem (enunciados e espaços para respostas ou testes de múltipla escolha, ou problemas etc.), sentimos a situação de avaliação em que ela é produzida. Como vivemos muitas vezes essa situação escolar, podemos evocar, além da forma do texto da prova, a ansiedade produzida pelo pedaço de papel posto à nossa frente na carteira, esperando para ser preenchido. Nada contra as provas, naturalmente. Elas são experiências socioculturais como muitas outras que nos ajudam a superar obstáculos, a crescer, a desenvolver o pensamento. Elas estão citadas aqui como exemplo de gênero de texto que traz as marcas da situação de comunicação em que foi produzido.
O exemplo da prova demonstra como todos os gêneros de texto nascem e circulam socialmente, inclusive os escolares. Todos os gêneros de texto são concretos e reais, até mesmo os escolares. Não há texto que não seja um diálogo entre pessoas concretas e reais, porque todos são produzidos em situações de comunicação concreta, em diálogos que envolvem interlocutores presentes ou distantes, mas interlocutores. Há alguém mais concreto para os alunos que seu professor? Há alguém mais concreto para o professor que seus alunos?
Assim, podemos dizer que as inúmeras e sempre diferentes situações de comunicação nas quais nos encontramos durante todos os momentos de nossa existência exigem gêneros próprios para ocorrer. Sabemos, de um modo geral, qual o gênero apropriado para cada situação de comunicação porque os gêneros são linguagens carregadas de marcas da situação em que são produzidos e, de alguma maneira, se repetem: marcas gráficas, lingüísticas e também as que não estão no papel, mas que reconhecemos quando temos experiências socioculturais com essas linguagens. Alguns desses gêneros são aprendidos mais ou menos espontaneamente. Outros exigem estudos mais profundos. Podemos ensiná-los a nossos alunos, desde que tenhamos conhecimentos sobre eles. Um bom modo de fazer com que os alunos aprendam diferentes gêneros textuais é planejar seqüências didáticas para seu ensino.
Referências bibliográficas:
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
Um comentário:
Oi
Gostaria que conhecesse o meu blog de textos pessoais e recomendo outro blog de memoria, ficção e cultura
http://wladirdupont.blogspot.com
obrigado desde já.
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